Desejo e a hipocrisia

No começo de nossas caminhadas podemos, e devemos forçar a nossa vontade a escolher pelo bom, belo e verdadeiro, afinal, não contamos ainda com desejos ordenados. Não é natural em nós buscarmos a santidade. Nascemos inclinados à idolatria, ao politeísmo, às desordens em geral. Mas até que ponto de minha caminhada, é lícito ir apenas pela força? Será que nunca meus desejos estarão minimamente em ordem? Quando de fato, a santidade será desejada?

Início de quaresma e estamos cheios de bons propósitos e metas penitenciais, se não estamos, deveríamos estar. Mas, será que os nossos desejos já estão mais próximos dos desejos de Jesus, Maria e dos Santos? Ou continuamos como os fariseus hipócritas, dizendo que desejamos algo, mas de verdade desejando algo bem diferente?

 

O exemplo dos fariseus

Os fariseus diziam que seu desejo era obedecer as leis de Moisés, e, portanto, agradar a Deus, porém sabemos que eles, em sua maioria, impunham grandes fardos sobre os outros, e não viviam, e nem desejavam viver o que pregavam – “Eles atam fardos pesados e os colocam sobre os ombros dos homens, mas eles mesmos não estão dispostos a levantar um só dedo para movê-los” (Mt 23,4).

Os fariseus, como cada um de nós discípulos e apóstolos da contemporaneidade estamos carecas de saber que, agradar a Deus se dá em primeira instância amando aos irmãos como a si mesmo (Mt 22,38), e quem não procede assim é um mentiroso (1 Jo 4,20).

A essa altura do campeonato, não há como justificar a desobediência a estes mandamentos pela ignorância. Nós conhecemos a Lei de Deus, minimamente já experimentamos seu amor, já testemunhámos suas maravilhas em nossas vidas e na vida dos irmãos que nos cercam. De fato, ou somos burros irremediáveis, ou mal intencionados, hipócritas como eram os doutores da lei do tempo de Jesus.

 

Amor próprio – Negligência – Desobediência

Identifiquei um certo padrão em mim, que imagino ser o mesmo padrão que regia a vida dos fariseus. Divido com vocês, vai que a carapuça serve!

Segundo São Gaspar Bertoni, em seu livro – Acidia: o vírus que mata o amor – o amor próprio (philautia) do pastor faltoso,  raiz da soberba, faz logo diminuir o amor de Deus; desta diminuição procede a negligência. A negligência não sabe amar, e daí começam as concessões, auto-preservações e auto-preferências, e então após inúmeras pequenas quedas ignoradas, e racionalmente justificadas, se chega à desobediência, ao desprezo de Deus.

É o famoso jargão de algum sábio de nosso tempo – “pequenas concessões hoje, grandes desvios amanhã”. Não tem jeito. É o fermento dos fariseus de que Jesus tanto alertou aos seus eleitos (Mt 16,11).

É vergonhoso assumir isso aqui, mas eu sou craque em travestir meus pecados de limitações humanas, para que a culpa desapareça e eu justifique meu erro. Quando não os visto com roupas santas, o que é pior, como se esta ou aquela atitude desprezível, fossem na verdade corajosas virtudes sendo desenvolvidas, quando são apenas minha covardia putiniana.

Elias: És tu, Guilherme, o flagelo de Israel?

Sim, amigo Elias, por vezes, várias vezes, ainda sou eu o culpado pela seca da terra, pela punição do povo, pela ira do Senhor. Obrigado por me lembrar sempre, através de seu dedo em riste.

Me ajude Elias, querido amigo que tanto desejo, a não ser mais apenas o profeta que fala, cobra, exorta e ensina, mas o santo que ouviu, pagou, se converteu e aprendeu com as próprias profecias que foi chamado a proferir.

Não quero mais ser o Acab Jezabeliano farisaico de sempre, quero ser o santo de hoje e o mártir de amanhã. Me dê força e coragem para sustentar minhas abstinências, jejuns e mortificacões quando ninguém pode me cobrar!

Intercede por mim, ó santo baluarte, para que o fogo do desejoso zeloso que te consumia, me consuma também, e que eu prefira morrer a chatear ao nosso amado Senhor, se quer uma pequenina vez. Sem concessões, sem negligências, sem amo próprio em excesso.

Que os móveis de minha casa, em seu silêncio existencial sejam as testemunhas de minha santidade verdadeira, e que os filhos dos meus filhos se orgulhem de terem um dia um ancestral santo.

Meu irmão, se seus desejos, ainda não estão alinhados com os desejos de Deus, se ainda há hipocrisia em seu apostolado, preguiça em seu discipulado, é hora de se converter. É hora de entrarmos para o time dos sete mil que não se dobraram e nem servem à Baal (1 Rs 19,18).

 

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