Esta manhã enquanto meditávamos o evangelho do dia aqui em casa, que trata da traição de Judas (Mt 26,14-25), o Senhor falava ao meu coração a respeito de sua infinita misericórdia, e por ser infinita, o como Ele a estende a todos, sem exceção.
Mesmo aos traidores como Judas, ou aos que o negam como Pedro fez. Ele gritava ao meu coração: “Quanto maior o pecado, maior a minha misericórdia, basta que cada um aceite este presente que ofereço livremente! ”
As minhas traições e negações
Ao olharmos para as experiências trágicas destes dois homens às vésperas da Paixão de nosso Senhor, normalmente ficamos entristecidos, angustiados e até irados pela atitude que tiveram.
O mestre tinha por cerca de três anos pastoreado-os, e tratado como amigos íntimos. E no fim, eles o traíram.
Há dois dias, através da rica partilha de meu orientador espiritual estou sendo convidado por este Jesus traído e negado, ao qual também chamo de mestre, a refletir sobre as minhas traições e negações.
Você pode me dizer que já fez esta reflexão muitas vezes, ou que sempre costuma fazer, mas te convido a se aprofundar um pouco mais este ano.
Pedro, João, Tiago, Mateus e até mesmo Judas Iscariotes foram escolhidos pelo Senhor, eleitos, como eu e você fomos, como os padres, bispos e até mesmo o Papa Francisco o foram.
E, todavia, mesmo apesar desta eleição ser real, é necessário vigiar muito, orar muito, porque mais cedo ou mais tarde a noite chegará, e devemos estar com o espírito pronto, pois a carne é fraca (Mt 26,41), e facilmente podemos trair como Judas, ou negar como Pedro negou.
A tendência à infidelidade
Não precisa de muita reflexão, se você tiver o mínimo de bom senso, e já tiver engatinhado nas trilhas da virtude da humildade perceberá que esta trágica máxima é verdadeira, podemos também negar Jesus
Graças ao famigerado pecado original somos inclinados à traição e não à fidelidade. O resumo da ópera é não somos melhores do que Judas e Pedro, como diria o ditado popular – “somos todos farinha do mesmo saco”.
Salomão, depois de Davi, foi o maior rei da história de Israel, o mais sábio, o mais rico, sua glória é superior à de qualquer rei que já existiu, porém, no fim de sua vida, parou de vigiar e orar, cedeu aos interesses políticos e foi seduzido pelos prazeres da carne, se tornando um idólatra e acabando sua vida em pecado grave, por conta de sua postura vacilante o Reino de Israel foi dividido e a paz nunca mais existiu (2Sm).
Quem está de pé, cuidado para não cair!
Santo Tomás diz em uma de suas meditações para a quarta feira da semana santa, que todos, ainda que já santos e purificados, precisamos ser limpos pelo sangue do cordeiro, pois sempre cultivamos impurezas em nossos desejos, emoções e sentimentos, e não podemos nunca achar que nossa melhor versão já foi alcançada.
Vigiai e orai, sempre, sem cessar!
Mas, apesar desta tragicidade toda, percebemos nos relatos das vidas de São Pedro e de Judas Iscariotes, que escolheu não ser “são”(santo), que a misericórdia de Deus abundou para ambos.
E ela abunda tanto mais, quanto maior for o pecado, como bem nos ensinou São Paulo (Rm 5,20).
As motivações das traições
Existe uma diferença clara de proporcionalidade entre o pecado de Judas e o de Pedro.
Por conta da traição do primeiro, o filho Homem é preso, martirizado e pregado numa cruz, sua sentença é dada pelo próprio Jesus – “[…] ai daquele homem por quem o Filho do Homem for entregue! Melhor seria para aquele homem não ter nascido! ” (Mt 26,24).
A motivação de Judas é a ganância, a mesquinhez, o egoísmo, a luxúria, existe um influxo infernal o conduzindo por sua própria permissão, é maldade pura e sem limites. As consequências foram funestas.
Já o segundo nega quem jurou defender com a vida, porém, o faz motivado pelo medo, insegurança, e desespero, e não por maldade (Mt 26,69-74).
A negação de Pedro deve ter sido muito dolorida pra Jesus, mas com certeza menos dolorida do que a traição de Judas.
Com as motivações e consequências colocadas na mesa, fica fácil de perceber a diferença entre os pecados.
Pedro encontra misericórdia
Os textos são riquíssimos, e poderiam gerar muitas páginas de reflexão, porém quero te convidar a refletir comigo sobre a misericórdia infinita do Senhor, como mencionado no início do texto.
Diante do pecado desses dois homens, Jesus quer salvar eles.
Para Pedro a misericórdia chega no momento que Jesus olha nos olhos Dele enquanto ele o negava. É relatado nas Sagradas Escrituras, que na última negação, o galo canta e Jesus olha profundamente nos olhos de Pedro.
Esse olhar não era um olhar de condenação, Jesus estava olhando para seu amigo. Nesse momento, Pedro encontra com a misericórdia de Deus, e está escrito que ele chora amargamente e se arrepende. (Mt 26,74c)
Não está relatado em nenhum dos evangelhos, mas foi muito bem mostrado no filme “A Paixão de Cristo” do diretor Mel Gibson. Pedro que arrependido de sua postura covarde, chora amargamente aos pés de Maria, Maria Madalena e João, assumindo sua culpa.
Deve ter sido assim, tanto é que logo após a morte de Cristo ele, Pedro, retoma a posição de líder dos apóstolos e é o primeiro a entrar na gruta onde o senhor havia sido sepultado.
Mais para frente, o próprio Senhor ressuscitado se revela ao seu escolhido às margens do lago de Tiberíades (Jo 21), e dá a chance a ele de pedir perdão, e de receber o perdão por suas negativas, quando por três vezes o reafirma como primeiro Papa da Igreja – “Apascenta minhas ovelhas” (Jo 21,16).
A misericórdia chegou para Pedro, e de maneira abundante. No tempo e na proporção que o seu pecado necessitava.
A misericórdia para Judas
Mas, e Judas? Como perceber a misericórdia de Deus para com ele?
Após a tratativa da traição, Judas levou os perseguidores até onde Jesus estaria com seus discípulos, e para selar sua missão diabólica marca Jesus com um beijo, e é nesta hora que se abrirmos bem os olhos veremos o transbordar da misericórdia do Senhor.
Jesus traído com um beijo, conhecia Judas e sabia que este estava se auto condenando, que não haveria tempo para retratações, e pedido de perdão no tempo posterior ao calvário, como haveria de ser com Pedro, e então, aquele que só sabia amar, e que era a fonte de todo o amor encarnada, diz para Judas – “Amigo, para que estás aqui? ” –
Era a chance, em tempo real de haver o pedido de perdão, o arrependimento, o amargor da contrição, para que então a história fosse recontada, não sem cruz, mas sem suicídio.
A misericórdia se dá na vida de Judas quando Jesus se deixa ser beijado. Judas trata Jesus como inimigo, e mesmo assim o mestre não volta atrás na sua eleição, Ele chama seu traidor de amigo.
Mas, infelizmente o coração de Judas já estava petrificado pelo mal, e chance se esvaiu, como como uma aliança de ouro que escapa por entre os dedos em meio ao mar profundo.
Pedro não teve a chance que Judas teve, de se reconciliar com seu mestre antes da cruz. Judas teve, mas desperdiçou.
Recebamos a misericórdia
É semana santa. Estamos de quarentena na quaresma.
Estamos tendo a mesma chance que Judas teve – “Amigo, porque estás aqui? ” – o que responderemos?
Judas ignorou o Cristo, e encerrou-se na escuridão da morte. Nós o que responderemos?
Diante de nossos pecados, Jesus quer nos dar a salvação, assim como queria para esses dois homens.
Cuidado, pode ser que não haja tempo para esperar até a ressurreição, volte para os braços do pai misericordioso hoje, agora, antes que seja tarde. O único pecador imperdoável é aquele que não quer ser perdoado (Mc 3,28-30).
Santa Semana Santa, que a misericórdia do Senhor nos alcance, e transforme nossos beijos de traição, em beijos de profundo amor e contrição! Seja santo!
Se você quiser se aprofundar mais no assunto sobre a traição, veja o vídeo do Pe Paulo Ricardo.
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